A pandemia da Covid-19 traz à tona a necessidade de uma nova
economia, um modelo que seja inclusivo, partilhado e colaborativo. O que pouco
se fala é que essa definição já existe dentro do que é o cooperativismo desde
1844.
Recentemente, estão sendo publicados diversos conteúdos
defendendo a necessidade de uma economia que traga conexão entre a razão de
existir das organizações e a sociedade, algo que possa ir além do interesse
exclusivo pelo acúmulo de capital.
É nesse contexto, que surge a expressão “nova economia”.
Parece apropriado que uma crise econômica sirva para
avançarmos na construção de uma nova forma de fazer negócio, assim como
aconteceu quando surgiu o conceito de cooperativismo.
É nesse sentido, que o modelo de sociedade cooperativa nos
traz tantas referências para a saída da atual crise e também incentiva a concepção
de uma nova economia que, na verdade, nem é tão nova assim.
Perspectiva histórica
A primeira cooperativa do mundo surgiu em 1844 numa cidade
do interior da Inglaterra, quando 28 trabalhadores se uniram para comprar
alimentos em maior quantidade e com preços mais acessíveis do que os preços
praticados pelos mercadinhos locais.
Naquele momento, tudo o que fosse adquirido pelo grupo seria
dividido igualmente entre todos. No Brasil, a primeira cooperativa surgiu em
1889, na cidade de Ouro Preto/MG, com o objetivo de adquirir produtos agrícolas
em condições acessíveis para os seus cooperados.
Poderíamos dizer que, pela sua essência, a principal
característica de uma cooperativa é ser uma sociedade de pessoas, direcionada
por sete princípios universais:
Adesão livre e voluntária
Gestão democrática
Participação econômica
Autonomia e independência
Educação, formação e informação
Intercooperação
Interesse pela comunidade
O fato das cooperativas serem sociedades de pessoas e não de capital, influencia diretamente na sua razão de existir. Abaixo, compartilho três motivos para acreditar que o cooperativismo pode ser a nossa melhor saída para crise econômica:
1. Participação econômica
As cooperativas não possuem finalidade de lucro, o que é
muito diferente de dizer que não possuam resultado positivo.
O que acontece na prática é que o resultado positivo,
comumente chamado de sobras pelas cooperativas, é distribuído entre os seus
associados de acordo com os critérios definidos pela assembleia.
As cooperativas brasileiras são classificadas em singulares,
centrais e confederações, na forma da Lei 5.764 de 1971. Uma cooperativa
singular é formada por, no mínimo, vinte associados, cabendo exceções de normas
específicas aos diferentes ramos do cooperativismo.
Imagine se hoje os pequenos empresários, que estão
enfrentando considerável queda no seu faturamento, se unissem para formar uma
cooperativa com o objetivo de vender seus produtos e partilhar o resultado das
vendas coletivamente?
Bom, talvez você esteja se perguntando: como definir os
critérios de distribuição desse resultado entre os associados? A forma de
distribuição do resultado de uma cooperativa é definida pelos próprios
associados em assembleia, onde um associado possui direito a um voto,
independentemente do montante de capital integralizado.
Ainda vale lembrar que as cooperativas podem realizar as assembleias de forma virtual e os associados podem votar à distância, conforme atualização dada pela MP 931 de 2020.
2. Educação, formação e informação
Uma vez que as principais decisões de uma cooperativa são
tomadas por seus próprios associados em assembleia, estes devem ser bem
informados das suas responsabilidades e, principalmente, formados sobre as
particularidades de uma sociedade cooperativa para que sejam capazes de tomar
decisões primando pelo coletivo em detrimento do individual.
Particularmente, considero que esse princípio é a base para
que o cooperativismo se perpetue. E uma dica importante: não convém se associar
à uma cooperativa acreditando que seria possível obter alguma vantagem
econômica sobre os demais associados, justamente porque não é isso que o
sistema propõe.
É certo que existem diversos benefícios ao se associar à uma
cooperativa, mas desejar uma vantagem econômica sobre outro associado não faz
parte da sua essência. Acima disso, o objetivo é incentivar uma economia
colaborativa e partilhada.
Aqui, vale citar o Serviço Nacional de Aprendizagem do
Cooperativismo – Sescoop, criado em 1998 com a missão de promover a cultura
cooperativista e o aperfeiçoamento da gestão para o desenvolvimento das
cooperativas brasileiras.
No último ano, o Sescoop lançou um programa nacional com intuito de capacitar jovens cooperativistas. Jovens de diversos estados do país participaram do programa Somos Líderes e vivenciaram em cinco módulos, as competências necessárias para uma liderança consciente em seu próprio contexto.
3. Interesse pela comunidade
As cooperativas possuem na comunidade o seu objetivo
constituinte. Dessa forma, trabalham para o desenvolvimento das comunidades nas
quais estão inseridas, de forma sustentável e colaborativa.
É comum encontrar comunidades amplamente assistidas por
cooperativas, que fomentam o crescimento econômico na região e estimulam a
economia entre os produtores locais.
Além disso, as cooperativas possuem autonomia e
independência para também firmarem parcerias locais que viabilizem a sua
atuação, pois já perceberam que o crescimento em sociedade é necessário para
nivelar a demanda de consumo e circulação de capital localmente.
É também por isso que um sistema que incentiva a circulação
de riquezas locais pode ser a saída de curto prazo para uma crise econômica.
O atual ecossistema econômico, com alta concentração de
capital, já demonstra sinais da sua falta de sustentabilidade. É por isso que,
especialmente agora, compreender novas formas de se fazer negócio é tão
necessário.
Uma sociedade cooperativa, composta por pessoas e com foco
na distribuição do resultado financeiro junto aos associados nos provoca a
pensar numa nova economia.
Uma economia colaborativa e partilhada, que incentiva e
possibilita o crescimento coletivo, tendo como base princípios universais que
trazem a essência do seu modelo de negócio e o eminente desafio de se fazer
valer desses princípios nas práticas diárias.
Louize Pereira Oliveira é cooperativista, advogada, especialista em Direito Empresarial pela FGV, coautora do livro Direito Cooperativo: Avanços, Desafios e Perspectivas, publicado pela Editora Del Rey.
Fonte:
revistahsm.com.br